pedroflora

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Tem que haver sangue

In Rasuras on segunda-feira, 9th março, 2009 at 7:35 PM

40 graus. Se fosse há 40 anos, ia parecer brincadeira. o asfalto derretendo, o chinelo pregando naquela pasta de piche. Sol, muito sol e nada de sombra. níveis de radioatividade no limite. Esse calor faz qualquer raiva triplicar; ódio; sangue nos olhos.

Gresko estava parado, de pé; assistiu a cena inteira assim, o coração batendo forte, respirando febril, alguma coisa incomodando suas tripas ou seu estômago, não sabia. Sentados, do outro lado da sala, os dois rapazinhos. Acusados de tentar molestar sexualmente Carmela, filha do Gresko.

O julgamento foi rápido. depois da mexida toda, começa o juiz a proferir a sentença. Sentença, o cu. Foi uma letra só, quiçá uma palavrinha, apenas. Pra piorar, como os danadinhos não consumaram o ato e tampouco têm a ficha suja, suas penas foram trocadas por cestas básicas.

A agonia do sr. Gresko era agora uma melancolia profunda. desonrado, mas ele não gritou, nem chorou. Sua filha já chorara o bastante enquanto colocavam-lhe o fêmur no lugar. E ela era uma menina de sorte, foi justo a fratura na perna que conteve o ímpeto lascivo dos jovens, não quiseram comer uma aleijada. Agora saíam de lá do tribunal com as famílias sorrindo, felizes com a nova chance, aquelas carinhas lisas e roupas bem passadas e na moda.

Gresko sentia o vento do outro lado da cara; já não eram os réus os dois bastardos, mas sim ele próprio, que quisera desgraçar a vida dos dois, pedindo 20 anos de pena. Tirar mais um filho de outro pai, causar mais dor. Pensou na consciência das mães, no olhar delas.

— Que se foda!

Foi pra casa, pegou o revólver e sentou na varanda. Naquele dia nem passarinho tinha na frente da casa. A natureza certamente desaprova o acúmulo de tanta raiva.
Passaram os dois, a pé, sorrindo.

Sete e quarenta e sete. tinha feito tanto calor o dia inteiro, as roupas já embotadas de suor, a nódoa raivesca cobrindo a mais interna camada do espírito. Ficou invisível. Atravessou a rua, não havia carros também. Caminhou calmamente atrás dos dois, chegou a sorrir, tomado de uma calma e precisão de raciocínio que só os prestes a morrer conseguem atingir.

Dois tiros. Um no meio do parietal, por trás, o outro na testa do outro, quando ele se virou. O segundo nem correu, paralisou-se. A raiva se fora. Subitamente, ficou visível outra vez.

Voltou pra casa.

Sentou na varanda. Pensou no calor. Pensou no processo. O detalhe. A sentença. Carmela, coitada. Achou que era Vito Corleone.

Tinha que haver sangue, concluiu.